terça-feira, março 09, 2004

SOMINCOR - CONCURSO OU ARRANJINHO

A assinatura do contrato promessa de compra da Somincor pela Eurozinc, na semana passada, veio culminar um processo que suscita as maiores dúvidas. A primeira é que num concurso internacional em que foram avançados nomes como a Noranda, a brasileira "Vale do Rio Doce", a finlandesa Otokumpu, a canadiana First Quantum, a Inmet Mining e a Gallipoli, só a Eurozinc concretizou a sua candidatura. Estranho, já que não está em causa o valor das reservas de Neves Corvo e a própria Eurozinc se diz vocacionada para a prospecção mineira, como tal deve conhecer bem o valor dessas reservas. Porquê, então a desistência dos outros concorrentes, a que há a somar a do grupo australiano Murchison, interessado na Somincor desde 2002?


A primeira coisa a esperar seria a anulação ou, no mínimo, a suspensão do concurso, em nome dos interesses estratégicos do país, numa região deprimida em que a Somincor é o maior empregador e o maior exportador. Mesmo numa perspectiva economicista, seria natural espicaçar a concorrência pela mais rica mina de cobre da Europa, com grandes reservas de estanho e zinco, numa altura em que a cotação destes metais está em alta - é a regra elementar de qualquer leilão. Mas não, o governo decidiu entregar a Somincor ao único concorrente que, assim, se limitou a oferecer um valor pouco acima da base de licitação - 115 milhões de euros - quando, no primeiro semestre de 2003, a Somincor gerou receitas de 45,2 ? e tem um activo superior a 250 milhões ?.


Ora um concurso com um único concorrente não é digno desse nome: é mais apropriado chamar-lhe arranjo, um 'arranjinho' típico deste governo dos lobbies que, em nome do combate ao défice, tem apadrinhado negociatas como as da Falagueira - Pereira Coutinho e a venda das dívidas ao fisco e à segurança social ao Citigroup por 15% do seu valor. No caso da Somincor, vale a pena traduzir os 118 milhões de euros: 23,6 milhões de contos, uma verdadeira venda ao desbarato que não dá sequer para cobrir as isenções de impostos concedidas pelo Estado à Rio Tinto Zinc.


Infelizmente, a Eurozinc não é para nós um ilustre desconhecido: comprou há dois anos as pirites de Aljustrel mas mantém a mina encerrada, alegando que o preço do zinco ainda não subiu o suficiente e que a sua cotação é em dólares, quando o euro está demasiado alto e as despesas se pagam nesta moeda. Até os efeitos da política monetarista europeia e do pacto de estabilidade se viram contra o Alentejo. E o mesmo pretexto pode vir a ser utilizado, amanhã, na Somincor. Mais preocupante ainda, a Eurozinc só é dona de duas minas em todo o mundo: a de Aljustrel e outra no estado norte-americano do Utah, ambas encerradas. O que faz aumentar a suspeita de estarmos perante uma espécie de testa-de-ferro de interesses especulativos que se movimentam nas bolsa internacionais, à revelia de uma exploração sustentada dos recursos mineiros e da região.


Num recente debate sobre o futuro das minas, realizado em Castro Verde, vieram-me à memória as palavras do engenheiro Soares Carneiro, presidente do CA da Somincor em 1999, na primeira visita que fiz a esta mina. Disse ele que a formação dos preços na bolsa de metais de Londres só depende em 10% de factores como os custos de produção ou da oferta e da procura, com a abertura de novas minas na China ou na Indonésia; 90% são pura especulação bolsista, como tal à mercê de crises como as que varreram os mercados de capitais da Ásia, da Rússia, do México ou da Argentina.


O governo PSD-PP quer entregar às leis selvagens do mercado o destino da principal empresa da nossa região, com mais de 700 postos de trabalho que o caderno de encargos permite despedir até 10% ao ano. Ou seja, em dez anos podem ser despedidos todos os trabalhadores, quando as reservas conhecidas em Neves Corvo vão, pelo menos, até 2030. No meio de tudo isto, soam ridículas as garantias contra a lavra gananciosa repetidas neste debate pelo governador civil e pelo representante do PSD, quando ela foi praticada mesmo quando o Estado detinha 51% do capital.


É urgente exigir a suspensão do contrato-promessa, quando a Eurozinc ainda não apresentou as garantias bancárias para a concretização do negócio. Mesmo que haja lugar a indemnizações, estas serão sempre um mal menor face ao verdadeiro crime de lesa-património público que está prestes a consumar-se. Face à habitual intransigência da direita no governo - patente no caso do aborto - é precisa a resistência e a união das populações, das autarquias e de todas as forças vivas da região, em solidariedade com os mineiros. Para prevenir um desastre social e ambiental como o da Mina de S. Domingos, é tempo de dizer BASTA!

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Alberto Matos - Crónica semanal na Rádio Pax - Beja - 09/03/2004
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