sexta-feira, dezembro 29, 2006

Mudar o calendário e as agendas

Os homens trabalham pontual e afincadamente junto às muralhas. As chuvas virão antes de concluirem e só espero que não se molhem porque já basta a dureza imposta aos seus braços. E mesmo assim sorriem para nos provar que o futuro, afinal, pode existir. É para eles que O desejo, principalmente.

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Solestício

Assim que os dias ficaram mais claros e que voltou a luz conhecida à cidade começámos a descer até junto ao rio. A ouvir a sirene dos navios. Encontrámos um rosto que ficou sem nome por algum tempo. Esse tempo ainda foi o melhor. Agora que há um nome o frio torna-se menos suportável. Os ponteiros do relógio jogam na equipa adversária.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

p´lo Inverno

a muralha cedeu um pouco. As águas imparáveis desta estação são mais fortes que os débeis laços da comunidade com o património comum. Fazem-se planos mas por agora resta-nos ver chegar as rãs e os cogumelos. A vinha resiste a tudo e descobrimos tarde demais os seus frutos.

quarta-feira, outubro 25, 2006

nota longínqua

Vai ser o nosso terceiro inverno aqui. Não houve tempo para reparar as fendas nas muralhas. Falaram-nos de um contrabandista mas tudo não passou de promessas, como o verão, cheio de fungos. Não abandonamos este bloco verde porque existe o perigo de a vida se interromper de súbito e o nexo perder-se para sempre. Para sempre.

quarta-feira, agosto 02, 2006

Acordei a sonhar que os nossos filhos ficavam soterrados sob escombros. Depois do sonho ter ficado também soterrado o dia prosseguiu mas ainda agora a boca me sabe a cinzas.

quinta-feira, julho 13, 2006

A diferença é que dantes as coisas aconteciam, iam acontecendo, e nós não envelheciamos.

segunda-feira, maio 22, 2006

O tempo das Cerejas

Eu a pensar que nos nossos corpos o desejo ia ficar maduro antes das cerejas e enganei-me.

sexta-feira, maio 05, 2006

Que idade terás? Sei que fizeste 33 anos há poucos dia mas que idade terás realmente?

segunda-feira, maio 01, 2006

Hoje descobri que a filoxera é uma doença na cepa da vinha para além daquilo que dava à D. Joaquina. Nada mau para um dia do trabalhador.

sexta-feira, abril 14, 2006

Haverá melhor símbolo da nossa civilização que um homem morto na cruz... Não, porque hoje como ontem o que sabemos fazer melhor é degolar carneiros, é atormentar inocentes, é matar os homens, todos filhos de deus.

sexta-feira, abril 07, 2006

Raul Brandão

"Eu tinha visto que a dor era sempre necessária para se produzir alguma coisa de belo, para se agarrar um pedaço de sonho que, apenas entrevisto, foge; para que nas nossas mãos esquálidas fique um farrapo dessa figura de prodígio, para que a vida tenha um fim: para amar, para criar, para que alguma coisa de duradouro reste (...) de que precisam os poetas para fazer uma obra de génio? De dor. O sofrimento cria."
Os Pobres

quarta-feira, abril 05, 2006

Quem é S.João da Cruz?

Será que entre Lizst e Mahler a Mafalda gostará dos Tindersticks? Pode ser Mafalda Branco Luz?

domingo, abril 02, 2006

Que mistérios se escondem na Figueira para que em poucos dias as pontas verdes se tenham transformado em mãos de palmas abertas escondendo na sua sombra promessas de frutos?

quinta-feira, março 23, 2006

O vento deixou-nos sitiados. Temos de pedir tabaco a alguém que vá a Espanha. Hoje na cozinha um pargo lesionou um de nós. Apesar de tudo há pontas verdes, de um verde mais verde que o nosso diário, nas pontas firmes dos ramos da Figueira.

terça-feira, fevereiro 28, 2006

Se a Terra gira porque está sempre a mesma constelação por cima da minha janela?

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Hoje, como não consegui descobrir ou fazer o que tinha para fazer, roí todas as unhas. A lua não chegou a brilhar naquela noite, um manto branco tapou-a da vista porque no tempo também existe o imponderável. Maior que os casamentos e divórcios que vão sucedendo.

sábado, fevereiro 04, 2006

Passado um tempo, quando as bifanas deixaram de ter o sabor daquela noite, soube que tinha serenado em mim o choque da notícia. Outras mortes se seguiram. Umas mais naturais mas nem por isso menos violentas. É difícil arrumar os nossos mortos. É difícil serenar as nossas vidas.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Não sei quando foi que começei a levar a vida a sério.
A lua está alta, cheia e indiscreta. Amanhã estará por cima das telhas do meu prédio e fará sombras novas nos quintais. É isso o tempo. Também. Suponho.