terça-feira, setembro 23, 2008

Depois de Edviges ter deixado cair o meu coração cairam estantes com tudo atrás, rebentaram canos e chão. Caiu óleo negro no sofá, cairam pedaços de dentes da minha boca. Minha. Pus-me em bicos de pés e beijei-lhe a face branca. Branca. Como nenhuma outra face. Edviges deu-me figos. Fechou-me a porta na cara. E saudou-me luminosa na subida para o guindaste no início de um dia claro. Lá em baixo os contentores, à espera que os arrume, que os empilhe, não caem.

sexta-feira, setembro 05, 2008

É o quotidiano, por outro lado, que nos resgata ou ampara. Da morte da sublimação e e da queda de Ìcaro. Esse desenrolar pastoso, certo, ritmado, onde as coisas estão no lugar e não nos é exigido o esforço permanente da dúvida ou do coração. Essa é a força do quotidiano. Protege-nos da morte, da ideia de morte, da ideia de que Edviges chora, da ideia de que as minhas lágrimas vão acabar por esgotar se não secarem em definitivo por estes dias.

terça-feira, setembro 02, 2008

Edviges Fox, rainha dos bretões e às vezes da Escócia, não é rapunzel. Partiu para o outro lado do rio. Hoje umas léguas de espelho prateado. A luz inocente e cálida no fio do horizonte por cima das águas. Do guindaste conseguimos acompanhar os humores deste leito e do céu sobre ele. Descobrimos que tem cinco milhões de anos. Que é coisa pouca na história do mundo. Sabemos que ele corre, na hora em que um homem se abraça a um comboio para a morte, na hora em que Edviges deixa cair o meu coração, em todos os momentos continua a correr. E as mulheres e os homens prosseguem a sua vida. E nós, enganados pela visão sobranceira, adivinhamos que aqui ele possa descansar algumas águas e que a ideia do lago possa suspender, ainda que por breves momentos, a força do quotidiano.