quarta-feira, março 24, 2004

Hamas retira ameaça a EUA, Publico
"(...)Não podemos escapar à acusação: tornámo-nos um povo assustador-porque nesta década fizemos do assassínio uma técnica importante da política doméstica.
Tornámo-nos um povo assustador-porque durante três anos devastámos um pequeno país no outro lado do mundo,numa guerra que não tem relação proporcional à segurança e interesses nacionais.
Assustamos ainda-porque muitos no mundo suspeitam da conexão sugerida por aquele devoto amigo e estudioso da América sir Denis Brogan: "temos nós a certeza de que é por simples acidente que a nação onde se cometem mais crimes no mundo foi a primeira e única a lançar a bomba atómica?"
Somos, sobretudo, um povo assustador, porque as atrocidades que cometemos, no solo pátrio ou no estrangeiro,mal parece, mesmo agora, terem provocado a nossa hipocrisia oficial ou perturbado a nossa convicção transcendente de infalibilidade moral.(...)"

Arthur M. Schlesinger Jr.
A Crise de Confiança- Ideias, Poder e Violência na Amérioca, 1968
José Lamego explicou-nos, em entrevista a Maria Avillez, que valores ocidentais são ameaçados pelo terrorismo: a separação entre Estado e Religião, a igualdade entre homens e mulheres. Nesta lógica é interessante verificar que EUA escolheram atacar, invadir e ocupar o pais mais laico entre os países árabes, com a justificação, assumida claramente pós verificação da não existência de armas DM, de lutar contra o terrorismo. Tudo isto acompanhado pelo grito do imperador: In God we Trust!
O assassinato bárbaro esta semana do líder do Hamas pelo aliado dos EUA em Israel está incrito com o lacre do combate ao terrorismo sendo óbvio para todos que o resultado desta acção que se chama terrorismo de Estado só tem um objectivo que é fazer incendiar mais e intermináveis rastilhos para a morte em ambos os lados e permitir com isso o bloqueio de todos as negociações em curso, já de si tão fracas e humilhantes para a Palestina. Mas para o centro político do Império o terrorismo está no Afeganistão, está no Iraque, o Sadam é que era o tirano maldito que perseguia o seu povo e matava curdos (seria útil acrescentar que o Iraque era o país com os maiores índices de desenvolvimento em todo o médio oriente à altura da primeira guerra do Golfo em 1990). O Estado de Israel perpreta diariamente, com a impunidade completa e a impotência da comunidade internacional indignada, os crimes mais hediondos contra a humanidade (a perseguição e tentativa de extermínio de um povo não tem outro nome). Os Estados Unidos da América são o país com o maior arsenal de guerra do mundo (é lá que se devem procurar as armas DM) são o estado que decreta a perseguição e eliminação imediata de pessoas voltando ao far west da sua história. O país onde os números de pessoas mortas em actos violentos não têm comparação com nenhum país do mundo.

Mas, como nos diz José Lamego, quem atente contra ele, por formas que achemos legítimas ou não, não lhe está a resistir nem a opor-se-lhe, está a tentar acabar com a igualdade entre homens e mulheres e lutar contra a separação entre Estado e Igreja. Lógico, faz todo o sentido.

segunda-feira, março 15, 2004

"Nada é mais importante que a segurança"- disse Nuno Rogeiro no rescaldo de Madrid- e acrescentou que nenhum esforço será de menos, que qualquer custo é sempre pouco para garanti-la. As favelas e os condomínios de luxo guardados até aos dentes de grades, câmaras de vídeo, polícias privadas. Ou então um Muro como se a História não tivesse acontecido desde a construção da Murallha da China. A acompanhar esta sinfonia vêm os violinos afinados da civilização que urge defender, como em Nova Iorque, tenta-se fazer dos corpos das vítimas cimento que sustente a ideologia do império. A ideologia que grita que este ataque é um ataque aos nossos valores-como discursou Marques Mendes no dia 11- como se os valores da vida e da paz fossem património de parte "democrática"da humanidade. Como se o Bem não fosse um valor universal, apesar dos canalhas. Como se uma bomba ou um avião contra uma torre traçe qualquer linha divisória entre culturas a não ser aquela que se desenha desde aí entre os que costroiem o império e aqueles que o recusam. Quem alimenta o discurso do Nós/Civilização/Ocidente coloca-se no mesmo campo dos que carregam mochilas com explosivos. No campo em que o Outro é o inimigo a abater, no campo dos fanáticos que tão bem e interminavelmente se alimentam. Ariel Sharon precisa dos bombistas suicidas para avançar legitimamente para a anexação. Bush precisa do 11 de Setembro para fazer avançar o Império.
GOOD BYE!

terça-feira, março 09, 2004

SOMINCOR - CONCURSO OU ARRANJINHO

A assinatura do contrato promessa de compra da Somincor pela Eurozinc, na semana passada, veio culminar um processo que suscita as maiores dúvidas. A primeira é que num concurso internacional em que foram avançados nomes como a Noranda, a brasileira "Vale do Rio Doce", a finlandesa Otokumpu, a canadiana First Quantum, a Inmet Mining e a Gallipoli, só a Eurozinc concretizou a sua candidatura. Estranho, já que não está em causa o valor das reservas de Neves Corvo e a própria Eurozinc se diz vocacionada para a prospecção mineira, como tal deve conhecer bem o valor dessas reservas. Porquê, então a desistência dos outros concorrentes, a que há a somar a do grupo australiano Murchison, interessado na Somincor desde 2002?


A primeira coisa a esperar seria a anulação ou, no mínimo, a suspensão do concurso, em nome dos interesses estratégicos do país, numa região deprimida em que a Somincor é o maior empregador e o maior exportador. Mesmo numa perspectiva economicista, seria natural espicaçar a concorrência pela mais rica mina de cobre da Europa, com grandes reservas de estanho e zinco, numa altura em que a cotação destes metais está em alta - é a regra elementar de qualquer leilão. Mas não, o governo decidiu entregar a Somincor ao único concorrente que, assim, se limitou a oferecer um valor pouco acima da base de licitação - 115 milhões de euros - quando, no primeiro semestre de 2003, a Somincor gerou receitas de 45,2 ? e tem um activo superior a 250 milhões ?.


Ora um concurso com um único concorrente não é digno desse nome: é mais apropriado chamar-lhe arranjo, um 'arranjinho' típico deste governo dos lobbies que, em nome do combate ao défice, tem apadrinhado negociatas como as da Falagueira - Pereira Coutinho e a venda das dívidas ao fisco e à segurança social ao Citigroup por 15% do seu valor. No caso da Somincor, vale a pena traduzir os 118 milhões de euros: 23,6 milhões de contos, uma verdadeira venda ao desbarato que não dá sequer para cobrir as isenções de impostos concedidas pelo Estado à Rio Tinto Zinc.


Infelizmente, a Eurozinc não é para nós um ilustre desconhecido: comprou há dois anos as pirites de Aljustrel mas mantém a mina encerrada, alegando que o preço do zinco ainda não subiu o suficiente e que a sua cotação é em dólares, quando o euro está demasiado alto e as despesas se pagam nesta moeda. Até os efeitos da política monetarista europeia e do pacto de estabilidade se viram contra o Alentejo. E o mesmo pretexto pode vir a ser utilizado, amanhã, na Somincor. Mais preocupante ainda, a Eurozinc só é dona de duas minas em todo o mundo: a de Aljustrel e outra no estado norte-americano do Utah, ambas encerradas. O que faz aumentar a suspeita de estarmos perante uma espécie de testa-de-ferro de interesses especulativos que se movimentam nas bolsa internacionais, à revelia de uma exploração sustentada dos recursos mineiros e da região.


Num recente debate sobre o futuro das minas, realizado em Castro Verde, vieram-me à memória as palavras do engenheiro Soares Carneiro, presidente do CA da Somincor em 1999, na primeira visita que fiz a esta mina. Disse ele que a formação dos preços na bolsa de metais de Londres só depende em 10% de factores como os custos de produção ou da oferta e da procura, com a abertura de novas minas na China ou na Indonésia; 90% são pura especulação bolsista, como tal à mercê de crises como as que varreram os mercados de capitais da Ásia, da Rússia, do México ou da Argentina.


O governo PSD-PP quer entregar às leis selvagens do mercado o destino da principal empresa da nossa região, com mais de 700 postos de trabalho que o caderno de encargos permite despedir até 10% ao ano. Ou seja, em dez anos podem ser despedidos todos os trabalhadores, quando as reservas conhecidas em Neves Corvo vão, pelo menos, até 2030. No meio de tudo isto, soam ridículas as garantias contra a lavra gananciosa repetidas neste debate pelo governador civil e pelo representante do PSD, quando ela foi praticada mesmo quando o Estado detinha 51% do capital.


É urgente exigir a suspensão do contrato-promessa, quando a Eurozinc ainda não apresentou as garantias bancárias para a concretização do negócio. Mesmo que haja lugar a indemnizações, estas serão sempre um mal menor face ao verdadeiro crime de lesa-património público que está prestes a consumar-se. Face à habitual intransigência da direita no governo - patente no caso do aborto - é precisa a resistência e a união das populações, das autarquias e de todas as forças vivas da região, em solidariedade com os mineiros. Para prevenir um desastre social e ambiental como o da Mina de S. Domingos, é tempo de dizer BASTA!

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Alberto Matos - Crónica semanal na Rádio Pax - Beja - 09/03/2004
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sexta-feira, março 05, 2004

adensa-se uma tempestade, não por cima de nós mas uma breve ameaça, uma súbita suspeita e suspensa entre as nossas mãos. O som cadenciado dos carros lá fora também podia ser o das ondas do mar a bater ou a cair no asfalto deserto do fim do dia.