A noite passada as nuvens corriam velozes deixando chegar em intervalos rápidos a luz preciosa da lua, breves momentos quando a luz da cidade a deixa chegar. Esta aldeia dentro da cidade mas mesmo assim cheia de lâmpadas e comboios e aviões, por mais que cresçam as ervas por entre os calcários da nossa calçada o silêncio nunca é suficiente. Nem é o silêncio mas o rumor das folhas de uma árvore, a sua sombra dançando cá em baixo. Ao pé dos nossos pés, nús. Por mais que nos recolhamos aos jardins e que a cidade acorde quieta e sossegada, sente-se ou adivinha-se a presença de milhares de pessoas, adivinha-se a sua errância, pressente-se a sua violência, à espera como um gato ou irrompendo como mosquitos esfomeados. E depois somos nós, esses mosquitos, inquietos, sem sede nenhuma. Errando também, sonhando com a montanha ou com cidades em chamas.
À conta do fogo entrevi uma história que podia explicar-nos. A teogonia que nos explicava como seres eternos incarnando aqui e ali os mesmos tipos ou caracteres. Reproduzindo sempre em sucessivas e numerosas gerações os mesmos vinte ou trinta deuses que discutem, desde o princípio dos tempos, quem e para quem esta batalha. O mesmo deus ou espírito ocupa-se de ti e de mim e assim, por erros de cálculo temporal e espacial, cruzamos a nossa existência e sem homens duplicados nem duplas vidas de v, entendemos as paralelas e tangentes que desenham esta geometria difícil e pegajosa.
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